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5.9.18

MUSEU HISTÓRICO, MUSEUS ESPÍRITAS.



O lamentável incêndio que destruiu as instalações do Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista - cidade do Rio de Janeiro, colocou na pauta da imprensa a questão da desvalorização e da falta de valor da cultura no Brasil. Todos estamos reflexivos quando pensamos o quanto gastamos com um campeonato mundial de futebol e o quão pouco direcionamos para um Museu reconhecido internacionalmente, sob os cuidados da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Há pouco me dei conta como o meio espírita se preocupa pouco com a cultura e a memória. 

Tenho acompanhado os esforços dos diretores e trabalhadores do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo - Eduardo Carvalho Monteiro (CCDPE-ECM). Acompanhei também, há mais de uma década, a construção e entrega do Museu Espírita de São Paulo, no bairro da Lapa - SP, para a Federação Espírita Brasileira. Tenho visto também iniciativas menores, como a Casa de Chico Xavier, em Pedro Leopoldo, que funciona como casa espírita e faz a guarda de objetos pessoais, livros e documentos de Chico Xavier. 

Há uma coisa comum entre essas três iniciativas: a primeira vem de Eduardo Carvalho Monteiro, a segunda de Paulo Toledo Machado e a terceira de Geraldo Lemos Neto. São entusiastas da cultura espírita que conseguiram congregar pessoas ao seu redor visando a promover instituições diferentes das tradicionais sociedades espíritas.

Com recursos bem mais modestos que nosso incendiado museu, elas vão se mantendo apesar da pouca atenção que lhe dão os milhões de espíritas e simpatizantes no Brasil. Que será pior, o incêndio ou a indiferença?

Ainda há pouco comentei a boa, mas equivocada intenção, de uma espírita que deseja transformar a livraria dos Leymarie em lugar de memória. Em que pese a desinformação da companheira, surge uma nova questão: o Museu Espírita de São Paulo estava há um ano fechado à visitação em função das reformas, que estão fazendo aniversário. O CCDPE-ECM é mantido com um quadro de sócios, doações e eventos promovidos por seus mantenedores e não sei dizer ao certo as fontes da Casa de Chico Xavier, talvez mantida por quadro de sócios e pela editora Vinha de Luz, que vem tentando preservar a memória de Chico Xavier, publicando documentos e textos inéditos.

Peço desculpas a outras instituições claramente voltadas para a cultura espírita, que não citei aqui. Peço aos leitores que as indiquem, colocando nome, endereço, cidade e finalidade na sessão de leitores do Espiritismo Comentado.

A questão que direciona o texto é: enquanto choramos pela perda do Museu Nacional, que ações fazemos com nossos pequenos museus espíritas? Visitamos? Doamos? Desenvolvemos projetos para captação de recursos e realização de pesquisas? Fomentamos parcerias? Promovemos eventos voltados ao conhecimento do trabalho nos museus? Escrevemos livros? Publicamos revistas especializadas?

Deixo ao leitor minhas inquietações.



20.3.17

A CASA DE CHICO XAVIER







Domingo foi dia de ir a Pedro Leopoldo. Oportunidade de ver o Adriano Calsone falar sobre Amélie Boudet e Allan Kardec e de rever a Casa de Chico Xavier. Foi uma viagem grata ao coração, porque encontrei amigos antigos, que a vida levou para longe, mas que como a vida costuma ser como o mar, as ondas trouxeram de volta a Belo Horizonte. Encontrei amigos geograficamente próximos, mas que a vida absorveu, com suas obrigações, em outros espaços. Vizinhos, mas distantes. E reencontrei quem lá está, na cidade natal do Chico, mas que já morou na capital e conheceu papai.



A Casa de Chico Xavier é assim, você está no passado, mas também está no presente. O tempo-espaço se curva e permite que você transite entre os dois momentos, mercê da memória, com um passo, apenas. Com um passo você vê a Dona Nenem jovem, o Rolando Ramaiciotti perfilado com o médium de Pedro Leopoldo, o Peralva com seus óculos quadrados e eterno terno, capturados pelas fotografias que a informática faz aumentar ante o pedido nervoso dos dedos. Um passo, e quem já viu o filme preto e branco, preservado insistentemente do esquecimento pela nova dimensão chamada internet, entra em um quarto com os diplomas de cidadão honorário dados pelas câmaras municipais de cinco cidades paulistanas e pela intrusa Belo Horizonte, lugar de tantas amizades caras ao médium. Um passo atrás e o tempo muda novamente, o visitante vê a cama feita e o terno passadinho, pronto para ser vestido. 

Um lugar curioso da visita são os expositores do chão ao teto com uma cachoeira de livros, perfilados, à espera do olhar curioso dos visitantes. Do Parnaso ao último livro de Chico, eles estão lá, testemunhas incontestes de uma dedicação diária, que devorava o horário de descanso após o almoço, as noites que usamos para descansar da labuta e a madrugada que os jovens gostam de usar para as baladas. Recordei-me de Raul Teixeira dizendo:

- “Para acompanhar a doença do Chico é preciso ter muita saúde”!



Por fim, o visitante pode voltar a 1931. Geraldinho contou que o Chico participava da reunião mais estranha da história do espiritismo brasileiro. À mesa da casa espírita ele psicografava sob a influência de Emmanuel. Terminada a tarefa, ele lia em voz alta os textos para as cadeiras vazias, as paredes nuas pintadas, os pássaros no telhado do lado de fora, que pareciam não ter muito interesse nas palavras do Mestre iluminadas pelo pensamento de Allan Kardec. Lá fora a cidade ficava meio adormecida, em um ritmo lento, mas os vizinhos deviam ouvir a voz insistente do médium, e comentavam as estranhezas daquela doutrina nova que se erguia contra a milenar instituição representada localmente por uma pequena matriz no centro, com um coreto gracioso.

Chico Xavier é conhecido por sua perseverança teimosa, sua capacidade de continuar onde muitos nem mesmo teriam iniciado. William James diria que isto faz parte da psicologia dos grandes e notáveis religiosos. Toda muralha, contudo, tem suas rachaduras e incorreções, então, o povirello de Pedro Leopoldo queixou-se a Emmanuel.

- Meu irmão, vou encerrar a reunião. Apenas eu venho e trabalho sozinho. Fico lendo para as paredes e os vizinhos já me consideram louco. Não há sentido em continuar!

O orientador espiritual pediu-lhe que retornasse uma vez mais. Emmanuel pediria ao mestre que Chico pudesse ver mais, com os olhos da alma, e entender o que fazia.

Passada uma semana, chega o Chico, na reunião que seria a derradeira, como falam os mineiros, assenta a mesa, enche as folhas de papel e inicia as últimas leituras. Emmanuel aproximou-se, impôs as “mãos espirituais” sobre a cabeça do jovem médium, e seu campo de visão espiritual se abriu. Ao redor da mesa um anfiteatro, com espíritos “assentados” acompanhando com interesse a leitura dos textos evangélicos.

Chico olhou detidamente as fisionomias e não reconheceu ninguém. Não eram parentes dos filhos da terrinha mineira. Seus traços não lhe eram familiares. Perguntou então ao orientador.

- Quem são eles? Eu não os reconheço.

- São espíritos que estão em contato com o evangelho de Jesus explicado a partir dos novos conhecimentos trazidos pelo mestre lionês e que retornarão à carne para divulgá-los.

Geraldinho se referiu a eles como a Turma de 1931.



Voltemos à Casa de Chico Xavier. Influenciada pela narrativa, ao mesmo tempo em que criava os novos espaços de uma casa que seria museu e centro espírita, a arquiteta preservou o espaço da mesa em que Chico psicografava, quando estava em sua casa, e transformou os barracões, que eram quartos para receber os espíritas que vinham dos muitos lugares, especialmente de São Paulo, passar alguns dias com ele. Da mesa veem-se as fileiras desniveladas de cadeiras, envolvendo o espaço de grata lembrança com um anfiteatro pequenino, capaz de acolher uma centena de almas encarnadas, prontas a participar da simplicidade das reuniões, de leitura, comentários e preces.

Fui convidado à mesa, como acontecia no passado e as lágrimas escorreram no canto do olho. Ali também o espaço tempo fez duas dobras, e enquanto Adriano Calsone falava dos tempos áridos, mas laboriosos do mestre francês e nos fazia recordar/aprender sobre a “femme forte” do espiritismo, a mesa insistia em nos puxar para os tempos do lápis que corria solto pelas folhas de papel, um olhar ao lado nos levava aos anos oitenta do século passado, com a grata memória dos jovens da Comebh, alguns já senhoris, com os filhos crescidos, outros já sem o corpo físico, e nos assentos do anfiteatro viam-se os olhares interessados, perdidos no tempo, imaginando Rivail e Amélie enfrentando suas lutas, com um silêncio significativo, às vezes recortado por risos discretos, emoções denunciadas pelos olhos ou ternura estampada na face.

Voltamos para casa com uma sensação de paz na alma, de alegria suave, de satisfação pelos encontros e abraços, de surpresa pelo espaço tão mágico, preservado pelo afeto de pessoas que conheceram e valorizaram o jovenzinho pobre de Pedro Leopoldo.