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17.11.13

EÇA, POR FERNANDO


Ilustração alusiva à proclamação da república portuguesa


Fernando de Lacerda é um médium português do início do século XIX que morou no Brasil e publicou seu trabalho pela Federação Espírita Brasileira. Sempre admirei a manutenção dos seus quatro livros “Do País da Luz”, nos catálogos desta editora. Escrevi há alguns anos sobre ele no Espiritismo Comentado http://espiritismocomentado.blogspot.com.br/2010/12/as-artes-mediunicas-de-fernando.html

Mais recentemente li um texto de Vianna de Carvalho, através da mediunidade de Divaldo Franco, que fala de como ele foi vítima de ironia e escárnio em sua época, mantendo-se firme. Retomei sua leitura e encontrei um trabalho de Eça de Queiroz que trata de um tema muito atual, recorrente, no movimento espírita: o ceticismo radical.

Silva Pinto escreveu introdução para o livro em 1911, um ano após a implantação da república portuguesa, de influência positivista.

Com o positivismo, veio a tendência de se identificar o pensamento cristão com a monarquia, e, ao mesmo tempo, uma crítica de princípios e valores que acompanha a crítica do regime político, além, é claro, da crítica contundente da crença em Deus. Eça, sem se alinhar à proposta política da monarquia, defende no texto psicografado por Fernando de Lacerda os valores cristãos e a crença em Deus, opondo-se ao espírito de época.

O estilo chama a atenção, pela ironia profunda e inteligente, pela construção do texto que desafia o leitor a pensar. Vou transcrever algumas passagens.

Sobre o ateísmo da política portuguesa da época:

“A ilustre pseudo sociedade pensante desta linda terra de mentecaptos proclamou sua emancipação.

Deus passou à história

Nem serve para se mostrar empalhado, em qualquer museu de raridades, porque tendo-se ausentado, há séculos para parte incerta, não cumpriu ainda o gracioso dever de cortesia de vir apreciar as generosas conquistas do mundo moderno.

Sobre a valorização do livre-pensar:

Eu sinto – e nós todos, certamente o sentimos por igual – que para sermos agradáveis à linda cocote, toucada de vermelho, que se divorciou para se casar em seguida com o cidadão Livre Pensamento, não saibamos perpetrar a delicada e encantadora hipocrisia de a felicitarmos, fingindo que também nos libertamos da tirania de Deus (já que ainda temos a imperdoável fraqueza de ainda lhe estarmos sujeitos); mas,  tristemente, desconsoladoramente o digo: - não o sabemos fazer.
...

Sobre a acolhida das mensagens pela intelectualidade portuguesa:

 Tu é que devias procurar libertar-te de nós, porque te somos companhia prejudicial. (Aqui, Eça fala ao médim)

Já te fizemos passar por maluco, por ignorante, por mistificador, por asno, por detestável escrevinhador de prosas bárbaras e de versos insulsos; e agora te arriscas a apanhar alguma sova de respeito, ou a seres tido e havido por agitador religioso, se continuas a deixar perceber a esse mundo emancipado e sábio que associas com companhias tão pouco recomendáveis , como são as dos mortos, e, de mais a mais , de mortos ignorantes, mortos que não se pejam de falar em Deus, nem de virem aconselhar a humildade, a caridade e a resignação, quando a moda obriga a renegar Deus, a praticar o Orgulho, proclamar a Fraternidade e aconselhar a Rebeldia. “

Sobre a Rebeldia como valor:

Que esplêndida coisa é a Rebeldia!

Pena é que ela seja, às vezes, como esses jogos de facas pontiagudas com que inábeis jongleurs exploram a basbaquice popular: - que se sucede cravarem-se no explorador, também arriscam o explorado a ser espetado por elas...

Desviei-me do meu fim.

Perdi-me na parlenga, e ia por si em fora, modulando ditirambos às modernas virtudes que enfloram o tálamo nupcial da Sociedade livre pensante portuguesa – anônima criatura, filha incestuosa da Ignorância e do Atrevimento, com o ilustre cidadão Livre Pensamento, filho adulterino da Vaidade e do Amor-Próprio; e esqueci-me que não foi para isso que vim.”


(Extraído de “Do País da Luz, cap. I, pág. 17-26)