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28.1.14

UM GRUPO ESPÍRITA EM OURO PRETO NO FINAL DO SÉCULO XIX

Rua da Escadinha - Ouro Preto-MG. Ao fundo a Basílica do Pilar.

Recebi do Chrystiann Lavarini alguns números interessantes, acessáveis no site do Arquivo Público Mineiro, de um periódico espírita denominado A Caridade. Trata-se de um tabloide publicado pelo Grupo Spirita Antonio de Padua, que funcionava na casa quatro da rua da escadinha, em Ouro Preto-MG.

Os temas tratados são diversos, mas a questão da relação com a Igreja Católica, base da cultura dominante, é marcada. Os autores discorrem sobre a reencarnação, sobre o pensamento de Kardec, sobre mediunidade de curas e traduzem trechos da Revista Espírita (a francesa, publicada inicialmente por Kardec), entre outros assuntos, inclusive não ligados ao espiritismo. 

Chamou-me a atenção ser um periódico de 1898, período em que a capital do estado estava se mudando para Belo Horizonte, que foi oficialmente inaugurada em dezembro de 1897. Eu desconhecia grupos espíritas oficiais nesta época, na região da capital, embora no início da próxima década (1902), houvesse a fundação da União Espírita de Belo Horizonte, que se tornou Federação Espírita Mineira em 1908.

Apesar de histórico, o movimento espírita de Ouro Preto estagnar-se-ia e a nova capital mineira continuaria a ser terra fértil para a criação de novos grupos e sociedades espíritas. Ignoro números oficiais mas conheço pessoalmente apenas um grupo espírita na cidade, contra centenas em BH, passado pouco mais de um século.

Felipe Vieira Batista Silva escreveu para a ANPUH, um artigo analisando um dos quatro números disponíveis do jornal A Caridade. http://www.encontro2012.mg.anpuh.org/resources/anais/24/1340733225_ARQUIVO_AMPUH2012-Felipe.pdf 

Influenciado pelas ideias de Bourdieu, Felipe se detém na análise das relações de poder entre o espiritismo nascente e o catolicismo majoritário. Seus olhos se detém no texto que transcrevo abaixo, que percebe como um pedido real de intervenção do clero e da polícia a práticas supersticiosas toleradas pela igreja, mas vejo de forma diferente.

À época, com a publicação do novo código civil, "o espiritismo, a magia e seus sortilégios, o uso de talismãs e cartomancias...." foi criminalizado. O autor de "A Caridade", possivelmente se ressente de denúncias do clero, quando escreve:

"Entretanto os padres, que tanto mal dizem do Spiritismo, admittem e toleram semelhantes praticas abusivas, que são exercidas por mulheres, que vão todos os dias ao confissionario. E’ necessário, pois, que a sociedade se acautele e promova os meios afim de exterminar do seio mais esse cancro do fanatismo. Será melhor que os confessores pela influencia que exercem sobra as suas confessadas, as aconselhem, prohibindo mesmo a pratica desses responsos e sortilégios, tão condemnados pelo Divino Mestre. 

Tambem poderá vir em nosso auxilio a policia, syndicando desses factos que tantos males já tem causado a sociedade. 

Por nossa parte havemos de combater essas supertiçoes e sortilégios: e se não tiverem um paradeiro voltaremos mais circumnstanciadamente ao caso (A CARIDADE, 1898, n.  p.4). 

Felipe entende que é uma luta de poder entre religiões, uma tentando deslegitimar a outra, e não uma "discussão defensiva dos princípios que regem as práticas católicas e/ou espíritas". Não me parece que isto está acontecendo neste trecho, que apresenta uma ironia. O autor do artigo em A Caridade denuncia de forma sutil as incoerências e abusos do uso da lei do código civil, que deve ter sido utilizada pelas autoridades eclesiásticas, junto à polícia, para a repressão da prática espírita na época. Infelizmente, são necessárias novas fontes para o devido embasamento desta suposição, mas a recuperação do documento pelo Arquivo Público Mineiro e sua disponibilização em meio digital nos traz mais conhecimento da história do espiritismo nas Minas Gerais

Quem quiser ler A Caridade tem acesso direto pelos links abaixo:

http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/jornaisdocs/viewcat.php?cid=20722 
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/jornaisdocs/viewcat.php?cid=20726  
http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/modules/jornaisdocs/viewcat.php?cid=20720